sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ocupação cultural no Centro de São Paulo

Ocupação cultural no Centro de São Paulo

Quem passa em frente ao número 588 da Avenida São João, quase esquina com a Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, consegue ver um prédio com instalações precárias que certamente precisa de reforma. É nesse local que abriga o extinto Hotel Columbia Palace, ocupado há aproximadamente um ano por 450 famílias que não tinham onde morar. É impossível de imaginar que do lado de dentro existe uma área com diversas atividades culturais oferecidas gratuitamente por uma equipe interna.

Ao entrar no prédio as primeiras impressões são de um lugar abandonado. Lá ainda existe a recepção do hotel desativado e espelhos da época que esse estabelecimento funcionava, há mais de 30 anos, mas que hoje estão quebrados. Em seguida existe uma escada ao lado direito que dá acesso ao primeiro andar. A partir daí o local começa a tomar uma proporção diferente e já é possível enxergar uma pintura de rinoceronte na parede, que segundo um dos moradores, foi feita por um artista plástico desconhecido australiano. Há também uma exposição fotográfica do artista Marcio Ramos.

Ao andar mais alguns metros é possível avistar um corredor organizado com salas da Coordenação de Cultura do Conjunto Habitacional Columbia Palace, como: biblioteca, ateliê e teatro. Lá também tem um espaço grande aberto com pinturas de artistas nas paredes que é onde acontecem todos os eventos.

Desde março do ano passado acontecem as atividades, como teatro, música, aulas de inglês, oficina de desenho, sarau, leitura de poesias, costura, panificação e estêncil. “As crianças participam de aulas de circo, os jovens falam sobre cultura, leem poesias próprias e os livros que recebemos são de doações de meninos catadores de papel. As roupas utilizadas nas peças de teatro são feitas por mim em oficina de costura. E, como é final de ano, fizemos uma oficina com enfeites de Natal em que diversos moradores participaram”, diz Dona Nanci, organizadora cultural.

Fernando Knup, 27 anos e Fernanda Mendes, 23 anos são ativistas culturais e chamam a Dona Nanci de avó, pois segundo Knup,“estamos unidos aqui todos os dias por um propósito como uma grande família que não é de sangue, mas que coexiste”. Os dois ativistas participam de reuniões gerais da coordenação e também da programação da agenda de eventos. “No nosso Projeto Ocupação Cultural a idéia é de envolver os moradores. Por exemplo, como o grafite é caro procuramos trabalhar com estêncil que é uma técnica bem parecida. Em quatro meses de atuação já fizemos exposições de fotos, grupos de desenhos com os jovens que irá se transformar em uma exposição e temos saraus que acontecem todas as sextas-feiras”, diz Fernando Knup.

Além dessas atividades, o local possui o “Projeto na Parede” que são sessões de filmes projetados. Além disso, tem a biblioteca que funciona em uma das salas e possui estantes com livros de diversos temas, como: Língua Inglesa, Literaura e Didáticos, entre outros. É possível encontrar nas prateleiras obras de autores renomados, como “Incidente em Antares”, de Erico Veríssimo, “O Ateneu”, de Raul Pompéia, “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Mello Neto, entre outras. Os moradores tem acesso livre ao local que também possui DVDs e jogos interativos “Eu sou a pessoa responsável pela biblioteca, cadastro os livros, anoto quem pegou e quando tem que devolver”, diz Fernanda.

Todos esses entretenimentos trazem aos moradores a oportunidade de uma nova perspectiva e até mesmo uma visão diferente do mundo, pois o projeto também oferece passeios pela cidade, como expedição dos catadores do Glicério, visita em Galerias, ao Masp, entre outros. Esses eventos são possibilidades que antes eram desconhecidas principalmente por falta de recursos. “A importância das nossas atividades é maravilhosa, essencial, pois se não fosse a cultura os moradores não teriam um incentivo. Aqui  nós oferecemos a essas pessoas uma outra realidade a qual elas podem ter acesso. Tem crianças que nunca tinham assistido a uma peça de teatro ou a um filme, por exemplo”, afirma Nazaré Brasil, 37 anos, precursora do projeto e artista plástica.

Da mesma forma que ocorre com diversos outros projetos na cidade, no começo as coisas não foram fáceis para acontecer, houve muitas restrições por diversas partes. Segundo David  Martins, 36 anos, voluntário e pesquisador, “o início aqui no Conjunto Habitacional Columbia Palace foi muito difícil pois havia oposição dos próprios moradores e coordenação do prédio. As pessoas tinham medo de que nos eventos a polícia poderia aparecer e acabar com tudo e até mesmo que tivessem brigas de tribos, pois já fizemos show de punk com reagee, por exemplo. Na minha opinião, se não fosse a parte cultural, o prédio não estaria em pé, já que essa é uma forma de provar que temos idéias, sim”.

Com o tempo e acontecimento de cada evento, foi possível juntar recursos e construir o telhado melhorando assim um pouco as condições do local. “As pessoas viram que o projeto era sério e começaram a abrir a cabeça. Nós mostramos que conseguimos atingir os nossos objetivos e que aqui não somos um bando de loucos e sim que temos entretenimento”, admite Martins.

Dessa forma, com cada evento que acontece, os moradores podem se sentir inclusos em uma causa e também aprendem a viver de uma forma melhor, ter cidadania e aos poucos criar uma comunidade unida com diversas identidades que batalha por seus objetivos de vida, melhorando em todos os sentidos a situação pela qual se encontram.


Silvia Camargo
Jornalista freelancer








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